SÊ BEM-VINDO ! SÊ BEM-VINDA ! YOU ARE WELCOME !

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Le Monde Diplomatique 2006-2007














"[...] o projecto neoliberal, em particular na sua fase austeritária, instaura como pensamento único, incriticável e indiscutível, o que nada mais é senão o seu próprio programa. Tornando-se vencedor, dominando até o senso comum, o neoliberalismo expulsa como irrealistas (ou «contos de crianças»…) todas as interpretações e alternativas que o desafiam. Despreza a soberania popular e, quando pode, silencia a pluralidade das escolhas que têm de estar na origem do exercício dos poderes (político, económico, mediático, etc.), apesar de essas mesmas escolhas serem constitutivas da própria democracia.

O projecto neoliberal iniciado na década de 1980, e que nos trouxe à actual crise financeira, efectivamente depende, entre outros aspectos, de convencer os cidadãos de que não há alternativa à sua forma de governar, às suas políticas geradoras de desigualdades e pobreza. Para o conseguir, os poderes político e económico-financeiro passaram a contar cada vez mais com um sistema da informação e da comunicação que, apesar de muitas excepções, repete e (re)constrói a narrativa dominante.

[...]

A narrativa de fundo é a mesma que a de todos os neoliberais desde o início da crise: «no Sul da Europa vivem povos preguiçosos e corruptos que vivem acima das suas possibilidades e têm de ser forçados pelos trabalhadores e sérios povos do Norte a ajustarem-se à condição de subdesenvolvidos de que nunca deviam ter saído». É ou não é isto o que se ouve desde 2007-2008? E não é síndroma de Estocolmo nem ignorância: é convicção, é defesa de interesses, é posicionamento de classe. Tal e qual como em todos os países da Europa, e do mundo, há muitos cidadãos que contestam esta teoria e este projecto. Estes têm é pouca visibilidade no espaço mediático dominante [...]

No Le Monde diplomatique, e na sua edição portuguesa, sempre denunciámos o carácter sistémico e iníquo da construção da globalização neoliberal, com as suas instituições financeiras e comerciais (Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Organização Mundial do Comércio, etc.), a que se juntou a União Europeia, com os seus tratados, a sua Comissão e o Banco Central Europeu. Sempre procurámos demonstrar que a crise financeira não foi, na sua origem, uma crise das dívidas soberanas, mas que esta foi criada para operar uma brutal transferência dos rendimentos do trabalho para o capital, dos recursos do público para o privado e da soberania popular para instituições muito pouco democráticas."

Sandra Monteiro

Sem comentários: