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quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Dívida e racionalidade económica


« Há uma contradição entre a frase tantas vezes repetida de que “somos honrados, pagamos as nossas dívidas” e o valor da dívida pública, que em 2014 deverá ultrapassar os 130%. Trata-se apenas de mais um exemplo de como não é possível conciliar uma leitura da crise assente em critérios morais e uma resposta que tem de assentar em algum tipo de racionalidade, desde logo económica. Podemos repetir ad nauseam o discurso da culpa e enfatizarmos os compromissos de honra mas, a persistirmos assim, estamos a caminhar para um suicídio económico.

(...)

A confusão entre dívida e pecado é uma marca com lastro. Não apenas porque, em muitas traduções da liturgia cristã, dívida e pecado são termos usados indistintamente, ou porque em alemão schuld significa culpa e dívida, mas também porque, ao longo de séculos, a dívida foi tratada exclusivamente como questão penal. A este propósito, Robert Kuttner, num artigo na New York Review of Books, chama a atenção para o facto de só recentemente a racionalidade económica ter passado a estar presente na forma como se lida com a dívida. Até ao início do século XVIII, um devedor que incumpria era preso. Mas, quando no Reino Unido, em 1706, o incumprimento deixou de ter como consequência a pena de prisão, esta mudança não decorreu de nenhum surto de compaixão mas apenas de pura racionalidade económica. Com grande parte dos mercadores e comerciantes presos, e portanto incapazes de pagar as dívidas, a economia estava a colapsar.

Não é, contudo, necessário recuar tanto no tempo para a racionalidade económica ter prevalecido. Como é sabido, a Alemanha no pós-II Guerra beneficiou de um colossal perdão de dívida, que baixou de 675% do PIB, em 1939, para 12% no início da década de 50. Sem este perdão, teria repetido a catástrofe política do pós-I Grande Guerra. E, a este propósito, talvez seja preferível não reabrir a questão moral e da culpa.»

Pedro Adão e Silva

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